Gioconda Rizzo, a primeira fotógrafa brasileira a ter seu próprio estúdio | Blog da Omicron
8 de março de 2021
Precisamos falar (e enaltecer) urgentemente a fotógrafa brasileira Gioconda Rizzo (1897-2004).
Poucos sabem, mas Gioconda Rizzo foi a primeira mulher a dirigir seu próprio estúdio fotográfico no Brasil, em 1914. Com o nome de Photo Femina e com localização na cidade de São Paulo - SP, este estúdio teve uma vida breve (durou apenas alguns anos), mas sem dúvidas ele indicou caminhos para o empreendedorismo fotográfico feminino.
Seu contato com a fotografia:
Gioconda cresceu cercada pelo fascinante universo da fotografia. Seu pai, o fotógrafo italiano radicado no Brasil, Michelle Rizzo, comandava o estúdio Rizzo Photographia Central. O que proporcionou um cenário familiar rodeado por câmeras de grande formato, chapas de vidro para revelação e múltiplas técnicas de retoque e coloração.
Fachada do estúdio Rizzo Photographia Central no último andar do prédio.
Fotografia: Reprodução.
Com este cenário familiar inspirador, ela observava atentamente o que Michelle realizava no estúdio até que, ainda adolescente, tomou coragem e realizou uma fotografia escondida do patriarca da família Rizzo. Quando Michelle Rizzo descobriu a “ousadia” de sua filha, ao invés do sermão, ele disse, como relembra a própria Gioconda: “Essa menina ainda vai me passar a perna”.
Uma vez identificado seu talento para os cliques, Gioconda passou a fotografar mulheres no estúdio da família e até a ter a sua própria clientela. O sucesso foi tão grande que ela passou a dirigir seu próprio estúdio, o Photo Femina.
O estúdio Photo Femina:
O Photo Femina surgiu em 1914. Era um pequeno estúdio localizado próximo ao de seu pai (Rizzo Photographia Central) e tinha como objetivo fotografar única e exclusivamente mulheres e crianças. A dinâmica dos negócios familiares passou a se dividir com Michelle fotografando homens e direcionando suas esposas e filhos aos cuidados fotográficos da filha.
Vale ressaltar que fotografar apenas mulheres e crianças era um reflexo do Brasil no início do Século XX, onde “não ficaria bem” uma mulher estar sozinha e fotografar um homem desconhecido.
No Photo Femina, Gioconda estabeleceu uma série de inovações estéticas. Mas podemos destacar a de criar um novo padrão de enquadramento para retratos femininos. Ao invés da fotografia de corpo inteiro em pé ou sentada, ela enquadrava apenas o rosto, o colo e os ombros desnudos de suas clientes. Como resultado, ficava registrado no papel fotográfico uma beleza e sensualidade que as próprias retratadas antes desconheciam.
Zeze Leone (Miss Brasil) com o colo e ombros à mostra, pelo olhar de Gioconda. Fotografia: Reprodução - Gioconda Rizzo.
O sucesso de sua inovação estética foi imediato.
O Photo Femina atuou com a agenda disputada pelas mulheres da alta sociedade paulistana. Mas encerrou suas atividades prematuramente por volta de 1916 após Vicente, irmão de Gioconda, identificar e relatar ao pai que entre a clientela da irmã estavam algumas cortesãs polonesas e francesas. Michelle, por sua vez, tomou a decisão de fechar o Photo Femina para que a filha não ficasse “mal falada”.
Yolanda Pereira, Miss Universo, sob as lentes de Gioconda Rizzo. Fotografia: Reprodução - Gioconda Rizzo.
Profissão: fotógrafa e artesã.
Com o fim do Photo Femina, Gioconda voltou a atuar como assistente fotográfica no estúdio da família Rizzo. Alguns anos mais tarde, se casou com Onofre Pasqualucci, com quem teve sua única filha, Wanda.
E mesmo após se casar, duas coisas se mantiveram na vida de Gioconda: a fotografia e o ato pouco peculiar na década de 1920 de “trabalhar para fora”.
Gioconda Rizzo (1953). Fotografia: Reprodução.
Ela continuou a aprimorar sua técnica fotográfica e aprendeu a desenvolver artesanalmente peças de porcelana com fotografias impressas. E é com esta técnica de impressão aprendida com o professor Medina, espanhol proveniente do Rio de Janeiro, que Gioconda garantiu o sustento de sua família após ficar viúva em 1935.
Porcelana com fotografia impressa feita por Gioconda. Fotografia: Reprodução.
Gioconda Rizzo continuou a trabalhar com fotografia até meados da década de 1960, quando decidiu se aposentar. Ela faleceu em 2004, aos 106 anos de idade, bem-humorada e lúcida.
Entrevista com Gioconda Rizzo ao programa A Moviola.
Pioneirismo e anonimato:
Diante de tanto pioneirismo, você deve estar se perguntando: “Por que eu nunca ouvi falar de Gioconda Rizzo?” ou “Por que é tão difícil encontrar o trabalho de Gioconda Rizzo?”.
Dentre as inúmeras justificativas, podemos destacar que o trabalho fotográfico de Gioconda Rizzo - assim como o de suas contemporâneas - enquanto mulher fotógrafa ficou à sombra da sociedade rígida e machista do início do Século XX.
Infelizmente, naquele período não se buscava criar memória sobre o trabalho fotográfico feminino. Por ser considerado um “trabalho menor”, houveram poucos registros oficiais sobre suas atuações profissionais e um péssimo armazenamento
do material produzido (isso quando este foi armazenado).
Vale lembrar que Gioconda Rizzo é considerada a primeira fotógrafa brasileira e a primeira mulher a gerir seu próprio estúdio fotográfico no país, mas com certeza ela não foi a única. Muitas mulheres contemporâneas à Gioconda fotografavam e atuavam como assistentes, mas não tiveram seu trabalho e contribuição reconhecidos.
Importante leitura:
Recomendamos a leitura da dissertação de mestrado de Carla Jacques:“As retratistas de uma época: fotografias de São Paulo na primeira metade do século XX. Dissertação (Mestrado) – Unicamp, Campinas, 2005.”.
Nesta dissertação investigativa, Carla faz uma verdadeira “caça ao tesouro” para identificar as fotógrafas pioneiras do cenário paulistano, conseguindo até entrevistar ainda em vida a própria Gioconda e identificando os cenários sociais da época que “moldavam” e barravam o crescimento de tantas fotógrafas.