Quem me conhece sabe que sou apaixonado pelo livro “A câmara clara” de Roland Barthes. Quero, rapidamente, explicar porque.
Sem citações, sem grifos ou ponderações sofisticadas do ponto de vista acadêmico. Gostar deste livro é penetrar num universo que não se abre a quem procura a rigidez conceitual e filosófica. Não se lê Barthes sem se tornar cúmplice de seu emocional. Cúmplice de seu crime capital ao colocar suas emoções como estopim de seu estudo sobre à fotografia.
Distante do ato fotográfico, que eu tenho por ofício, Barthes penetra no sentido maior que cada fotografia carrega: a da inevitável perda. Foi-se. Findou-se. E, ao mesmo tempo, perturba o presente preso à face fria do papel. Em cada foto uma morte. Em cada leitor uma quase ressurreição que apenas serve para reiterar a morte. Triste? Sim. Poeticamente melancólico. Por vezes Barthes me lembra Pessoa. Não pelo seu texto mas pelo gosto levemente amargo ao final da leitura.
Mas por que lê-lo? Por que se permitir toda esta melancolia? Por que não encarar a fotografia pela ótica da contínua reiteração da alegria. A festa, o batizado, casamento, carnaval etc. Pois não é esse o uso massivo da fotografia? Sim. Este é o uso drogatício. O registro da felicidade extrema para esquecermos que entre uma felicidade e outra a vida preenche a lacuna com imenso e inescapável vazio. Aqui o que temos é um registro. Uma fotografia, na maioria dos casos, que se assemelha a um carimbo de repartição pública. Altera-se a mão que o empunha mas a imagem sempre se assemelha.
Por outro lado, bem assiná-la Barthes, que a fotografia que retrata a violência extrema é incapaz de emocionar. Ela se aproxima das imagens que povoam as páginas policiais. Talvez, e apenas talvez, o autor queira nos dizer que o que mais nos assusta não é a morte mas sim a ideia da morte. Não é o passado mas o fantasma do passado que assombra o presente. E, a partir daí, começamos a olhar no espelho como quem fita seu futuro fantasma. Tomamos consciência emocional de nossa impermanência que toda fotografia tem a ousadia de esfregar em nossa cara.
O Punctum em Barthes é a lança que entra devagarinho em nossa carne e abre uma ferida que nos liberta de qualquer obrigação à felicidade. E não me entenda mal. Adoro a felicidade. Mas não a faço profissão, destino certo ou marca no calendário. Deixo que ela aconteça na excepcionalidade de sua existência.
Sempre admirei como Barthes, sem uma câmera, tornou-se um dos maiores fotógrafos do mundo. Entendeu, como poucos, a metáfora encarnada em cada imagem. Teve a extrema coragem de escrever com o coração - por mais brega que isso possa soar - em um mundo em que a maioria dos acadêmicos coloca o ego na ponta da pena.
Enfim, apenas posso dizer que se você não leu “A Câmera Clara” corra e leia. E, se você já leu, corra e releia.
Saudações fotográficas a todos.
Osvaldo Santos Lima
Fotógrafo, Professor e Diretor da Omicron Escola de Fotografia