Há exatos 113 anos, atracava no porto de Santos, litoral paulista, o navio Kasato-Maru, trazendo os primeiros imigrantes japoneses ao Brasil. Desde então, a data de 18 de junho passou a ser o dia da imigração japonesa ao Brasil.
Autorretrato. Bambuzal do sítio Tomita, 1953, Londrina - PR.
Fotografia: Haruo Ohara / Acervo IMS.
Nos anos seguintes à chegada do primeiro navio, outros vieram. E com eles, inúmeros japoneses desembarcaram em solo brasileiro em busca de melhores condições de vida.
No ano de 1927 e em um destes navios estava Haruo Ohara (1909-1999). Junto de sua família, Haruo emigrou ao Brasil trazendo na bagagem apenas enxadas, sementes e sonhos.
Fotografia: Haruo Ohara / Acervo IMS.
Mal sabia o jovem Haruo que anos mais tarde a fotografia entraria em sua vida, permaneceria por longas décadas e o tornaria em um importante artista e fotógrafo nipo-brasileiro da metade do Século XX. E é disso que falaremos no post de hoje.
Chegada ao Brasil e contato com a fotografia:
Nascido na província de Kochi, no sul do Japão, a família Ohara emigrou ao Brasil no período entre guerras.
Nesta época, o país do Sol nascente se encontrava em uma situação econômica muito difícil e, em contrapartida, o país tropical era tido como uma promessa de enriquecimento e prosperidade para quem tivesse coragem de desbravá-lo e tornar sua áreas produtivas (desbravar, cultivar, colher e prosperar).
Nos primeiros anos em solo brasileiro, os Oharas foram direcionados à cidade de Cotia-SP, onde cultivaram batatas. E em 1933, adquiriram suas próprias terras, onde hoje está localizada a cidade de Londrina-PR. Ali, passaram a cultivar flores, frutas e café.
Flagrante na próspera e jovem Londrina, cidade conhecida por sua “terra roxa” e desenvolvimento rápido. Imagem: “Lama. Rua Brasil, 1950, Londrina - PR”. Fotografia: Haruo Ohara / Acervo IMS.
E foi na cidade paranaense que Haruo conheceu e se casou com sua companheira de vida, Kô Sanada, teve seus 9 filhos e desenvolveu seu amor pelos cliques.
Sede da chácara Arara, década de 1950, Londrina - PR. Fotografia: Haruo Ohara / Acervo IMS.
Seu primeiro contato com a fotografia foi em 1938, através do amigo e fotógrafo, José Juliani.
Juliani não só vendeu a primeira câmera fotográfica a Haruo, como também forneceu conhecimento técnico inicial para ele se aventurar pelos cliques e pelo universo das revelações.
Depois disso, a fotografia nunca mais saiu da vida de Haruo.
Tanto que em 1951, ele se tornou um dos membros-fundadores do Fotoclube de Londrina, associado do Fotoclube Bandeirantes de São Pauloe até hoje é considerado um dos mais importantes artistas da cidade e fotodocumentaristas de seu crescimento urbano durante os anos de 1950 e 1960.
Haruo Ohara, um fotógrafo das horas vagas:
“HARUO OHARA FOI UM FOTÓGRAFO DAS HORAS VAGAS. Só isso. Mas só isso durante mais de meio século, com habilidade, técnica e obstinação.”
O trecho acima, escrito por Marcos Sá Correia, foi retirado do fotolivro “Haruo Ohara: Fotografias”, da editora do IMS e diz muito sobre o olhar resiliente deste artista nipo-brasileiro.
De manhã, indo colher café, 1940, Chácara Arara, Londrina - PR. Fotografia: Haruo Ohara / Acervo IMS.
Haruo Ohara não tinha a pretensão de ser um artista famoso. Ele amava a fotografia, o cultivo e desenvolvimento de plantas, flores e frutos, e acreditava na educação como desenvolvimento de seus filhos. Mas como todo imigrante que veio desbravar o Brasil no início do século XX, ele mantinha os “dois pés no chão”.
Maria, filha de Haruo, 1949, Londrina - PR. Fotografia: Haruo Ohara / Acervo IMS.
Ele sabia - não só como imigrante, mas como filho mais velho de uma família tradicional de japoneses - que antes de mais nada vinha a criação e sustento dos seus. Por isso, ele trabalhava horas a fio na lavoura com afinco, suor e dedicação.
Mas... Entre uma pausa para descanso do almoço, uma brincadeira de seus filhos ou uma caminhada no retorno da lavoura durante o pôr do Sol, ele não tinha dúvidas: montava o tripé, ajeitava a câmera e capturava pequenos fragmentos de seu dia a dia. Mas nada com desleixo. Ele estudava a luz, pensava na produção e composição de seus cliques e dirigia os retratados.
Aliás, não raro lemos e ouvimos relatos de quem conviveu com Ohara que ele acordava os filhos para pousar para suas lentes e seguia rumo à lavoura com uma dupla dinâmica: enxada e câmera fotográfica. Desta forma, ele sempre estava pronto para fotografar assim que a oportunidade surgisse.
Álbum fotográfico de família:
A obra de Haruo Ohara pode ser dividida em muitos momentos, mas em nossa humilde opinião, as fotografias preto e branco da família durante a infância de seus filhos são encantadoras.
Rosa e Toyoko, 1950, Londrina-PR. Fotografia: Haruo Ohara / Acervo IMS.
Com sensibilidade, dedicação e leveza, Haruo Ohara registrou o crescimento de seus filhos, os momentos especiais com Kô, e seu humor leve e sutil nos cliques.
Pedro, Ciro e Maria, filhos de Haruo, 1949, Londrina-PR. Fotografia: Haruo Ohara / Acervo IMS.
Valem (muito!) a pena conferir:
>>> Fotos comentadas de Haruo Ohara:
Assista ao vídeo do Instituto Moreira Salles, onde a cineasta Tizuka Yamasaki comenta as fotos de Haruo Ohara.
Yamasaki não só faz a leitura visual das fotografias, como as contextualiza dentro do momento histórico que a cidade de Londrina-PR e que os seus retratados passavam.
>>> Debate sobre Haruo Ohara:
Nada como um bom bate-papo sobre fotografia! E melhor ainda se dentre os convidados está um fotógrafo que não só teve contato com Haruo, como é neto do mesmo.
Bate-papo especial com Saulo Haruo Ohara (fotógrafo e neto), Sergio Burgi (IMS) e Bruno Gehring (produtor cinematográfico do curta "Haruo Ohara").
>>> Curta "Haruo Ohara"
O curta de 16 minutos dirigido por Rodrigo Grota conta a história do fotógrafo e até recria visualmente algumas de sua fotos mais famosas feitas junto aos filhos.
>>> Livros sobre Haruo Ohara:
Fotolivro “Haruo Ohara: Fotografias”, Editora do Instituto Moreira Salles.
Organização: Sergio Burgi.
Textos de Sergio Burgi e Marcos Sá Correia.
Fotolivro “Haruo Ohara”, Editora Positivo, 2008.
Organização: Orlando Azevedo.
Textos: Orlando Azevedo, Marcos Losnak e Rogério Ivano.
Livro “Lavrador de imagens: uma biografia de Haruo Ohara”, Editora S. H. Ohara, 2003.
Autores: Marcos Losnak e Rogério Ivano.
>>> Obras "Haruo Ohara"
Toda a obra de Haruo Ohara foi doada por sua família ao Instituto Moreira Salles (IMS) em 2008, passando a ser tratada e preservada na Reserva Técnica Fotográfica do Rio de Janeiro, principal instalação dedicada à preservação fotográfica do Brasil. Ou seja, seu olhar não poderia estar em melhor local.
E você pode visitar parte deste acervo de forma totalmente online e gratuita, clicando AQUI.
E um último ensinamento deixado por Haruo Ohara em seus diários:
"Hoje você vê a flor. Agradeça a semente de ontem." Haruo Ohara.
Essa frase explica muito sobre seu olhar que foi desenvolvido ao longo de décadas, dedicação à técnica e resiliência de praticar em suas horas vagas.
Esperamos que as fotos deste artista nipo-brasileiro inspirem seus cliques.
Até a próxima!
P.S.:Nosso carinho a todos os imigrantes e refugiados que criaram novas raízes no Brasil e, em especial, aos imigrantes japoneses pelo dia de hoje.