Era Julho de 2011 e eu estava, com diversos alunos no interior da Ilha de Cuba, numa viagem ao centro de um dos países mais interessantes do mundo. O regime fechado, o tempo aprisionado nos anos 50 e todas as restrições econômicas fazem de Cuba um local ímpar para a fotografia.
Mesmo a ilha sendo pequena atravessá-la em minúsculos ônibus chineses - barulhentos, desconfortáveis e lentos - era um enorme teste de paciência. Piegel, um querido amigo e aluno, comia nas paradas potes e mais potes de sorvete. Eu não podia culpá-lo pois as condições precárias de higiene dos restaurantes animaria qualquer um a se agarrar com um pote de sorvete.
De repente, o motor do ônibus quebra, ali, no meio do nada, próximo a lugar nenhum, distante de nosso destino final. Assim são os roteiros de grandes aventuras e a graça de se fazer fotografia documental. Não se controla tudo e nem se deve almejar ter controle. A realidade não combina com teoria. Ela quebra qualquer suposição teórica ou expectativa. E aí se encontra o que há de melhor na fotografia documental! Ela está sempre em movimento, girando tal qual o mundo que deseja retratar.
Pela janela do ônibus percebi um sujeito vindo, em passos lentos à beira da estrada, trazendo consigo ao redor do pescoço uma galinha pendurada pelos pés. Peguei minha Hasselblad - a época uma H3D com uma lente 80mm - e desci rapidamente do ônibus. Atravessei a estrada e fui de encontro ao homem que assustado me recebeu. Pudera, não é sempre que vemos um louco correndo e gesticulando com um tanque de guerra - pois é isso que uma Hassel de médio formato parece - pendurado no pescoço.
Passado o susto inicial ele ria de mim e da cara dos alunos que observavam tudo de dentro do ônibus. Foram 6 ou 7 fotos, tiradas em um curto intervalo de tempo. Seu rosto me lembrava dos caboclos que tanto havia fotografado no interior do Paraná e São Paulo. A galinha, ali pendurada, era a personagem mais calma da cena. Mal sabia ela que iria para a panela naquela noite.
Foi um encontro intenso como são os encontros construídos pela fotografia documental. Mundos diferentes e repertórios distintos poderiam muito bem afastar-nos. Mas a força da imagem-câmera funcionava como um imã que nos conectava e eliminava qualquer tensão. Havia, de fato, uma curiosidade quase pueril de ambas as partes. Mas acima de tudo o respeito mútuo e uma certa graça naquele encontro inusitado. Simples e real.
Amo a fotografia documental e seus encontros, sua verdade e seu espírito de aventura. Ela aproxima diferentes e cria elos capazes de colocar por terra nossas pequenas crenças burguesas e nossa programação mental de "pia-de-prédio". Pela fotografia documental foi que amadureci, cresci e me formei. E sou muito feliz por esta escolha.
Osvaldo Santos Lima
Quer estudar fotografia documental? Acesse nosso
curso ONLINE com o professor.